“Provavelmente vamos ter de nos perdoar muito um ao outro daqui a uns meses”,
Jens Spahn, Ministro da Saúde do último gabinete de Angela Merkel (CDU) durante sessao no Parlamento em Berlin.
O mês de março encerrou com uma bomba de efeito retardado abalando ainda mais a já comprometida credibilidade do governo federal da Alemanha. Especificamente na área da saúde, comandada pelo agora desmoralizado Karl Lauterbach (SPD).
No dia 18, Paul Schreyer, autor e publisher da ‘Multipolar-Magazin’ publicou uma primeira análise do chamado ‘RKI-Files’. Trata-se de uma coleção de 200 protocolos produzidos durante as reuniões do Gabinete de crise para o Corona vírus do Instituto Robert Koch (RKI), entre Janeiro de 2020 a Abril de 2021.
Detalhe, os documentos do principal órgão de consulta do governo na área de saúde foram classsificados como sigilosos. A revista só obteve a liberação do material após dois anos de uma ação judicial, apelando ao direito constitucional à informação de interesse público. Ainda assim, milhares de linhas de texto com nomes, dados e deliberações foram suprimidas por tarjas pretas antes de serem entregues.
Paul Schreyer já recorreu ao tribunal para ter a íntegra do texto de todos os protocolos. Ele argumenta que cada palavra ajuda no entendimento daquilo que aconteceu durante a pandemia, e o Ministério da Saúde deve explicar a razão para manter sigilo nas passagens ocultadas. O tribunal marcou a audiência de apelação para 09 de maio.
O ministro da saúde, Karl Lauterbach responde que o escândalo é obra de pessoas com ideias radicais e que desejam “fazer politica contra o Estado”, e por isso nega a necessidade de uma comissão para investigar as denúncias.
Entre as apontadas na primeira análise dos protocolos, aparece demonstrada a mudança abrupta e sem base científica para a determinação do Lockdown em março de 2020. “A atualização (dos dados) em março ocorreu abruptamente e aparentemente foi iniciada por alguem de fora do RKI. Todo o processo de consulta científica foi claramente ofuscado pela pressão política”, diz a reportagem.
A Multipolar também acusa os membros do gabinete de crise, entre eles o ex-presidente do RKI, Lothar Wieler e o ex-ministro da Saúde, Jens Spahn (CDU) de manterem o estado de emergência com base em dados e análises incorretas. Segundo a publicação, ambos sabiam naquele momento, que o aumento no número de infecções espelhava o aumento no número de testes, e que a situação não era verdadeiramente dramática para justificar a manutenção do confinamento total.
Para aumentar mais a desconfiança gerada pela liberação dos ‘RKI-files’, na última semana, o Tribunal de Contas da União da Alemanha publicou um relatório apontando o ‘estado de caos’ no ministério da saúde comandado por Jens Spahn na época. Em especifico, o TCU acusa o “tremendo erro de planejamento” na compra de 5,7 bilhões de máscaras de proteção pelo ministério.
Vale lembrar, que a compra de máscaras já havia causado uma crise política no primeiro ano da pandemia, após a revelação de dois deputados do CDU, partido do ministro Spahn, que haviam recebido comissões de 250 e 600 mil Euros pela intermediação na compra de máscaras pelo governo.
Bom, o fato novo agora é que o tribunal quer apontar os responsáveis pelo desperdício dessas compras. Do total exorbitante de máscaras compradas, 2,7 bilhoes tiveram que ser inicineradas para liberar espaco e reduzir custos de estocagem. Nos depósitos mantidos pelo Estado ainda existem 800 milhões de máscaras para distribuição pública, mas não há nenhum programa ou previsão para isso.
Segundo o TCU, o rombo acumulado por conta da política equivocada de Jens Spahn foi de 460 milhões de Euros só em 2023. Mais 560 milhões de Euros devem ser pagos este ano e o governo alemão já gastou outros 113 milhões de Euros com causas judiciais, devido o rompimento de contratos para o fornecimento de máscaras.
“A aquisição centralizada e o fornecimento de equipamento de proteção pelo governo federal revelaram-se ineficientes e anti-econômicos”, conclui o órgao em seu relatório, acrescentando: “O nível federal não só está técnica e logisticamente mais afastado dos utilizadores relevantes, como também não é responsável pelo fornecimento local de acordo com a atual distribuição de competências.”
Parece um filme que a gente no Brasil já conhece, não parece?
Mais uma vez, o atual ministro Lautebach arrepia e nega o debate. “Houveram mais acertos do que erros”, defende ele, sem mencionar que também está na mira dos auditores do TCU. No caso, envolvendo a campanha de vacinação de reforço em Outubro de 2022, quando a Pandemia já havia terminado oficialmente. Um contrato de 45 milhões de Euros com a mesma agência de publicidade responsável pela campanha eleitoral de Olaf Scholz em 2021.
Chamada Scholz & Friends, a agência trabalha para o ministério da saúde desde fevereiro de 2020, inicialmente com um contrato anual de 22 milhões de Euros para executar “medidas de informação ou apoio à estratégia de comunicação”. O contrato vinha desde então sendo continuamente renovado e até ampliado, mas sem uma justificativa aparente.
Mesmo que as inconsistências apontadas pelo TCU alemão sejam apenas picuinhas burocráticas, está cada vez mais claro para a população o total descrédito das instituições, especialmente por negarem-se ao acerto de contas das políticas e práticas públicas adotadas durante a pandemia da Covid-19.
O assunto não é novidade. Em Maio de 2020, a revista Der Spiegel publicou uma reportagem, apontando na época para as dúvidas e inconsistências da política apontada pelo RKI e implementada pelo governo. “O sobrecarregado Instituto Robert Koch. Fator-R, duplicação de números, uso obrigatório de máscaras: Em muitos casos, as declarações feitas pelo Presidente do RKI, Wieler, são ambíguas. As avaliações mudam. Isto leva a críticas cada vez mais duras”, diz a chamada da reportagem.
A diferença é que se antes tudo foi desculpado pela emergência, hoje o público exige uma explicação racional para muitas perguntas que continuam sem resposta.
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